Artigo originalmente publicado no site Tilt.net, de Renato Degiovani, e republicado com permissão do autor.
O sonho de se tornar um produtor/criador/empresário na área de games no Brasil vem crescendo e as oportunidades para realizá-lo parecem cada vez mais tentadoras. Vide edital de 10 milhões da Ancine, que acaba de ter lançada a sua edição 2.0.
No entanto o mercado local derrapa e as razões para isso são complexas. Senão vejamos: segundo os dados da própria Ancine, divulgados no dia 5/5/2017, o Brasil ocupa o quarto lugar em termos de quantidade de jogadores e no entanto está em décimo segundo no quesito faturamento. Tem muito brasileiro jogando mas nem tantos assim gastando por conta.
Os mais apressados colocam a culpa desta diferença significativa na falta de grana dos nativos; outros culpam o tradicional esporte brasileiro de piratear tudo e todos. Levando em conta as instantaneidades e facilidades do mundo moderno, usar um ou dois argumentos do século passado neste ponto é no mínimo desonesto.
Se olharmos para uma produção tupiniquim qualquer, o problema começa a aparecer lá atrás, quando o pretendente a produtor decide para qual mercado ele vai focar seu produto (nesta etapa do campeonato um jogo já não é mais um jogo mas sim um produto). A decisão pende geralmente para o lado do faturamento, afinal todo mundo tem que pagar as suas contas, nem que seja o IPVA da Ferrari Enzo estacionada na garagem.
...o que você pretende como resultado na área de games?
A pergunta necessária a ser feita é: ao longo do tempo, o que você pretende como resultado na área de games? Ganhar dinheiro, ficar conhecido ou construir uma empresa, um “negócio”? Se responder os três, pode ir colocando as barbas de molho.
Vamos combinar que num primeiro momento, ou num primeiro jogo, essa questão não está tão nítida quanto irá parecer depois de uns 30 anos atuando na área. Então, digamos que a gente quer um pouco de cada, com um enfoque maior em venda$.
Não é o objetivo deste texto traçar considerações sobre a decisão de focar o mercado global, mas sim nortear o pensamento para aqueles que irão, num primeiro momento, focar o mercado local, afinal segundo a própria Ancine (que está distribuindo grana) tem um gap potencial enorme entre a décima segunda e a quarta posição. Mas é aí que o pretendente esbarra na primeira pseudo e mal compreendida lei geral da vida: santo de casa não faz milagre.
Mas e se o milagre não for lá essas coisas, ou se o sistema de divulgação da igreja for tímido, ou ainda se a fé dos abençoados não estiver devidamente anabolizada com mantras marqueteiros adequados?
Senão vejamos: onde raios os brasileiros comuns, essa gente que compra (ou está apta a comprar) games aos montões, irá se informar acerca do seu produto/lançamento? E, ainda que exista uma mídia voltada exclusivamente para games, o quanto ela é de fato capaz de alavancar o interesse das pessoas ou pior, o quanto ela está interessada em alavancar interesses com destaque para a sua criação?
Uma das regras de ouro de qualquer sistema produção/vendas diz o seguinte: vender não é a mesma coisa que criar/produzir e, para o bem geral da nação, é conveniente que o responsável pelas vendas seja de fato alguém que conheça a ciência da coisa.
vender jogos não é pra incautos e desavisados.
Digamos que, por um daqueles acasos felizes, a sua cria recebeu as bençãos dos deuses da divulgação e uma grande massa de possíveis consumidores ficaram sabendo da existência dela. Onde eles irão converter essa fé em consumo propriamente dito?
Não faz muito tempo duas iniciativas no sentido de existir lojas especializadas em games nacionais foram tentadas e por mais que sejam dignas de aplauso, quase mais nada se ouve a respeito delas. Uma inclusive não tem mais nem seu domínio funcionando. Foram defenestradas pelas incongruências ilusórias do mundo moderno, pelo simples fato de não atentarem para o básico.
Qual é o problema então? Dilema tostines? Ou apenas a óbvia constatação que vender jogos (ou seja lá o que for) não é pra incautos e desavisados. Aqui vale a lei: quanto mais o fator grana estiver envolvido, mais necessária é a experiência comercial plena.
Resta ao pretendente, já tendo em mãos o seu produto, apelar para as lojas internacionais que, gostando ou não, dão muito mais resultado do que as lojas nacionais. Mas, diria um passante desavisado, no esquema global até que funciona. Sim gafanhoto, funciona por conta da escala e não das virtudes intrínsecas tanto da loja quanto do seu produto e para quem tem retorno zero, um retorno de mil pode até parecer a solução rumo ao paraíso, mas não resolve o problema principal, que é construir uma industria forte e resistente às intempéries corriqueiras de existir num mercado difícil.
A razão disso é simples: aplica-se aqui o princípio geral do comércio: lojas dependem da venda de muitos jogos e não necessariamente da venda dos seus jogos. A baixa produção específica br, aliada a pouca divulgação da própria loja condenam o negócio a uma sinuca de bico: fechar as portas, digo os sites, ou diversificar para mais do mesmo, elencando toneladas de games mundiais.
No final das contas o dilema tostines se resume às partes deste negócio de games, pelo menos no mercado nacional, não terem lá muita experiência com comércio. Isso é triste, se levarmos em consideração que os concorrentes estrangeiros são, literalmente, os inventores desse jogo.
Se você consegue olhar para essas questões e ponderar o quanto elas poderão determinar o seu futuro no ramo dos games, parabéns - você deu um passo na direção certa.
Link para notícias do edital da Ancine
SOBRE O AUTOR
Renato Degiovani é game designer e produtor de jogos desde o começo da década de 80. Foi editor da revista Micro Sistemas e produz o site TILT online desde 1997.
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